Vamos conversar?

Vamos conversar?

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Aonde vai com tanta pressa?


O tempo passa em tempos diferentes.

Há um tempo em que nem o percebemos. Como se déssemos de ombros pra ele.
As horas passadas brincando na rua, de pega-pega, bola-queimada, bets e todos aqueles brinquedos que não custavam mais do que o que carregávamos facilmente conosco mesmos, ou uns gravetos, ou pedaços de galho de árvore, pedaços de cerca de madeira é uma bolinha oca de plástico, ou qualquer bolinha até de meia, bola murcha, coisas que não custavam caro, eram de graça ou feitas pela gente mesmo!
Usávamos tão bem o tempo que fazíamos o milagre dele render fazendo caber nele muita felicidade! E por mais que a hora que as mães vinham no portão chamar que estava na hora de tomar banho e dormir, ou jantar, sinalizava o fim da brincadeira, não tinha tempo ruim. A gente sabia que no dia seguinte tinha mais!

Outro dia, primeiro de abril, fiz uma sapequice! Do alto dos meus cinquenta anos, devidamente conectada, repaginei numa nova versão a brincadeira do “primeiro de abril”. Dia da mentira! Bobiça. Pura bobiça!
Mandei uma mensagem inesperada a vários amigos e família. Tipo. “Tô indo embora daqui. Estou me mudando pra SC nesta semana.” Ri que nem criança… Cada vez que alguém respondia espantado, me fazendo uma série de perguntas, preocupado se tinha acontecido alguma coisa, ou curioso se algo excepcional, novo havia acontecido pra eu antecipar este velho sonho, eu devolvia… “Primeiro de abril!!! 😁”
Esta bobiça, brincadeira de criança gerou tanta risada, minha e de cada um que respondia que passei uma manhã leve, rindo à toa, andando com um sorriso no rosto por horas! Eu tinha feito uma arte sapeca boa! E com isso, aberto a portinha do tempo das boas lembranças que fizeram rir ou sorrir lá atrás e, toda vez que são acionadas, incrivelmente têm o mesmo efeito na gente. Por isso é tão bom, faz tão bem não trancar estas portinhas.

A vida parece dar um pulo gigante. E se assistirmos ao filme da nossa vida, o tempo passa diferente em cada tempo dela.
A gente lembra bem várias coisas de criança. Passa ainda desapressado pela escola e de lá mantemos acesas muitas lembranças boas. Facilmente trazidas, na forma de amigos e episódios que, basta encontrarmos um amigo daquela época que, pronto! São horas de conversa que puxam um fio repleto de lembranças!

A faculdade, até hoje não sei se seria a carta de alforria, ou a prisão perpétua da gente! Seria o momento em que recebemos a chave para o mundo! Os conhecimentos que nos equipam para sair mundo afora realizando coisas. Virando gente. No entanto…
Não que isto não possa acontecer. Mas o preço que se paga… Ao mesmo tempo em que é tão bom, descobre-se um quilhão de coisas novas, as algemas são colocadas. As algemas do tempo. É quando ficamos escravos dele. Por mais que corramos, nunca está bom pra ele! Sempre falta tempo pra fazer um trabalho, estudar direito pra uma​ prova. Dar conta de estudo, trabalho, casa. Família? Inexiste neste tempo. Afinal, o tempo é tão curto que é preciso priorizar o mais importante! Ela pode esperar quando sobrar um tempo! E o tempo vai passando…
Acho que é ali que entramos na escola errada. Esta que ensina que família não é importante. Esta que divide errado o tempo. Cobra horários sobrehumanos. Onde para dar conta de tudo, você passa noites sem dormir porque as horas não são suficientes para fazer caber tanta coisa!!! Quantidade passa a ser mais importante que qualidade. A vida vira uma correria e a gente passa a viver constantemente com a sensação de que o tempo não é suficiente.

Então, você vira um profissional. E passa a ser enganar que conquistou o mais importante da vida. A sociedade prega isso! Você é aquilo que você faz. E não aquilo que traz consigo lá dentro. Triste. Extremamente triste. A casca engrossa tanto lá fora que parece ser uma armadura à prova do tempo.
Fica cada vez mais difícil ouvir a voz lá de dentro. Afinal, as camadas postas do lado de fora funcionam como medalhas a serem exibidas e te fazerem mais importante. Quanto mais se faz, mais competente. Quanto mais se tem, mais poder.

E um desconforto incompreensível começa a acontecer.

A perseguição da meta pode durar tempos diferentes. Mas funciona mais ou menos assim. Até que existe o tempo onde você não faz mais parte desta máquina louca, por algum motivo. E de protagonista, você passa a ser plateia. E não compreende! Como, de repente, tudo continua a funcionar sem você estar presente? Como assim???

Inutilidade. Ser substituível. São diversos os sentimentos. Você pensava o contrário. Que era importante por ser útil. Que jamais seria substituível. Não. Neste mundo do "fazer” todos são substituíveis. Porque fazer, todo mundo faz. Faz até diferente. Mas todos fazem de algum jeito. E de algum jeito, a máquina continua.

Decepção. Vazio. As cascas começam a cair. Onde foi que tudo começou a dar errado? Onde foi que peguei o caminho errado? Onde foi que me perdi?

E este olhar que só olhava para fora e, subitamente, descobre o olhar para dentro, inicia uma longa, instigante e prazerosa viagem. Tantas perguntas feitas e respondidas com outras perguntas, outros anseios e outras buscas ininterruptas que o faziam correr sem parar atrás de algo que nunca chegava, agora não tinham nenhum sentido.
Ali dentro, as respostas já estavam prontas a serem ouvidas. Sem precisar correr! Era necessário apenas parar e silenciar. Tudo aquilo que se busca lá fora, viajando por infindáveis quilometros lá fora, por ironia pura, estão num lugar a nenhum centímetro de distância de nossos pés. Dentro da gente estão enraizadas todas as coisas mais importantes, que nos fazem bem e, portanto, nos fazem feliz. São as bobiças! Coisinhas pequeninas. Que nos causam alegrias ticas e ricas. Que, geralmente, não custam dinheiro algum. E requerem, somente, decisão.

Estar com pessoas que nos fazem bem. Conversas à toa, despretensiosas que não exibem poderes ou saberes. Mas que são sábias, por não falarem do desimportante, nos enchem de prazer, seja por pura empatia, pela boa sensação de estar junto e até​ mesmo não estando. Naquelas amizades mantidas de longe que, inexplicavelmente, são sentidas como estando tão perto e próximas.

Brincar com seu cachorro. Falar sozinho enquanto se caminha. Cantar alto dentro do carro na estrada viajando ou andando no meio da rua., Ou de cima de sua bicicleta, estradinhas afora!
Fazer uma gentileza. Deixar passar a vez na fila a alguém que precisa, ou no congestionamento no trânsito.
Puxar conversa. Como se fazia tanto antigamente no ponto de ônibus, na sala de espera, na fila do cinema. Ao invés de grudar os olhos e os dedos naquela tela minúscula e tão alienante.
Soltar pipa com o filho. Se já passou este tempo, com o neto. Ou com o filho da vizinha. Ou com aquele moleque no parque. Mas ir brincar com crianças!

Olhar com ternura, com respeito e com ouvidos atentos aos ”velhos”. Sejam eles seus pais, seus avós, seus vizinhos ou aqueles desconhecidos que sempre passam por você e você nunca olha na cara. Desvia o olhar. Ou nunca prestou atenção mesmo! Gastar um tempinho com eles é surpreendente! Um mundo diferente que você nunca entrará se não se permitir parar! E silenciar para ouvir suas histórias. Se fazer desimportante para se importar com o outro. E reconhecê-lo importante.

Então, o tempo, este senhor absoluto e intransigente parece fazer as pazes conosco. Ou seríamos nós a estar fazendo as pazes com ele?

É quando nos damos conta que naquele tempo de criança não tínhamos pressa nenhuma de sair daquele exato instante em que estávamos! O tempo se bastava nele mesmo! Vivíamos, realmente, o tempo presente. Amanhã era outro dia. Amanhã tinha de novo. E se não fosse a mesma brincadeira, a gente inventava outra. O amanhã era outro dia e ninguém se preocupava com ele antes dele chegar. Quando ele chegava, a gente vivia ele como o hoje!

Bingo! De toda esta linha do tempo, nas duas pontas extremas a sabedoria predomina e não se briga com o tempo. Não há porque ter pressa quando se é criança, nem quando se é velho. A pressa toda durante toda a vida não antecipa nada, nem faz chegar mais rápido ao destino. Só faz passar mais rápido pelo caminho. Sem prestar atenção a ele. Porque nesta ilusão de se chegar antes da hora, mais rápido, imediatamente o tempo é enchido de outras coisas. E você não ganha tempo algum. Apenas se ilude fazendo outras coisas, ao invés daquelas que estavam no meio do caminho…

No final das contas, a lógica da vida é tão óbvia que não dá para entender a pressa. Se o começo de tudo é quando nascemos e o fim, quando morremos, quem explica a pressa de se chegar? Se a vida acontece no caminho?

Então, eu pergunto:

Aonde vai com tanta pressa?

2 comentários:

  1. Amei, verdades que se afloram desapercebidamente, opa calma lá! Pode se aplicar a qualquer um de nós.
    Neste mundo do "fazer” todos são substituíveis. Porque fazer, todo mundo faz. Faz até diferente. Mas todos fazem de algum jeito.

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  2. Lucinei!!! Que prazer enorme você aqui comentando!!!! Sim! Ser substituível incomoda, mas é fato! Fazer, todos fazem. Ser é único!

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