Vamos conversar?

Vamos conversar?

segunda-feira, 27 de maio de 2019

Caderninho



Sinto vontade de escrever, novamente. Não para os outros, como tenho feito ultimamente. Textos para o blog. Textos legendando fotos para postagens em rede social. Textos que acabam sendo para os outros…

Tenho vontade, hoje, de escrever pra mim mesma. Pois ando perdida. Me perdendo de mim mesma. Sendo engolida por esse ser público, ser vista, ser e fazer e acontecer para todos saberem. Que nem é por saberem, mas por eu mesma fazer saber. Este tempo louco em que vivemos quando tudo é fotografado e contado quase que imediatamente, "online", onde estamos, o que estamos comendo, qual a nossa última superação, qual o atual desafio, qual nossa última vitória, feito, a super mulher ou super homem que nos tornamos pelos feitos que perseguimos e fazemos.

Me pergunto. Precisa isso?

Ando oscilando. Me sentindo perdida. Me sentindo peixe fora d'água. Me sentindo desconectada pelo excesso de conexão. Um misto esquisito de dois pontos extremos. Vontade de sumir, pós períodos, já longínquos e outros mínimos de exposição. Ao mesmo tempo de sentir solidão profunda e machuquenta, necessidade de estar em meio a amigos, a conhecidos, a pessoas, só para não me sentir sozinha e, ao estar, sentir-me só do mesmo jeito. Como se fosse um ser invisível que não estabelece contato algum com ninguém. Que não faz parte de círculo algum. Que se isolou dos amigos,. Muito mais do que de não tê-los. Que se entregou à solidão. Que fechou a porta. E tenho medo dos porquês.

Ando sofrendo. E fazendo de conta que não. Ao mesmo tempo que sinto vontade de pedir ajuda, de procurar gente, gente estranha mesmo, só pra jogar conversa despretensiosa fora, sinto falta da intimidade que se tem apenas com amigos verdadeiros. De família. De companheiro. Estes que já foram sem nunca terem sido. Ou que foram só por um tempo. Ou que eu não fui e o tempo levou. Ou sei lá! Que apenas passaram por um tempo determinado de serem e irem. E eu, idem. Tempo pré-determinado de passagem e existência. E, às vezes, me questiono. Se era para acabarem, ou se fui eu que não me dediquei o suficiente. Se fui eu que me afastei precocemente. Se fui eu que exigi demais. Se fui eu que matei existências, por falta de paciência. Por ansiedade demais.

Gera culpa. É péssimo sentir culpa. Não constrói. Desconstrói. Faz murchar. Desidratar. Desacreditar.

Eu sei que é só uma fase. Que logo passa, como tantas parecidas já passaram. Mas me pego desistindo fácil das coisas. Coisas simples. De ir, logo ali, a três quadras de casa pra mexer o esqueleto. De pegar a minha Magrela parceira, aqui a três passos do meu pé, ali na sacada e ir girar neste sol lindo e quentinho, neste céu azul brilhante e sorridente. Porque parece que tem algo que me amarra as pernas, me paralisa e me faz ter pena de mim. Que me faz me enrolar em mim mesma, quase em caracol, me proibindo, me algemando, me fazendo criar dias e dias sucessivos de frustração de não fazer coisas simples que gosto tanto. Me dando o pesado fardo do fracasso diário. Do não feito. Do que gosto e do que necessito. Enrolando o tempo e sendo engolida por ele. Fazendo, exatamente, o contrário do que sempre faço tanto questão de falar aos quatro ventos. De viver! De ir viver. De sair pra viver. A cada dia. Todo dia.

Antigamente, eu tinha caderninhos. Onde eu escrevia. Pra mim mesma. Tipo diário. Tipo conversando com meu melhor amigo. Tipo desabafo. Confidências. Confessando desejos, tristezas e alegrias imensas. Mas escrito para jamais ser lido por mais ninguém!

Com o tempo, com este prazer imenso que virou escrever para mim, passei a contar historinhas. A escrever por metáfora. Desde poesia a crônica da vida diária. Relatos engraçados de viagens ou narrativas mirabolantes de algumas aventuras. Virou escrita para os outros. E embora, totalmente vindos do fundo da minha alma, embora totalmente sinceros e verdadeiros, vividos em casa uma das cenas, o por pra fora virou "para os outros". Me esqueci de mim. Não é que escrever para os outros esteja errado. De forma alguma. Mas deixei de falar, secretamente, comigo mesma… Exatamente nos moldes do que vivemos hoje. Quando, voluntariamente, nos pusemos dentro de um "Big Brother". Mostrando em tempo real, quase sempre, pois afinal, já ou daqui a pouco, ou hoje mesmo, dá no mesmo, quase tudo o que fazemos! A câmera do celular é acionada num número infinito de vezes por dia. E conversar com amigos, quase sempre, não é olhonoolho. Ligação telefônica exclusiva, de tempo parado exclusivo para se falar com uma única pessoa, é coisa do século passado. Você escreve uma mensagem, ou grava um áudio, enquanto come, enquanto trabalha, enquanto dirige (!!!), enquanto está no banheiro, enquanto anda na rua, a pé, ou faz sua caminhada, enquanto cozinha, faz seu serviço de casa, enquanto… Não pára!

E o tempo, soberano, engole a gente. Implacável, passa. E a gente, pensando que está driblando ele, faz mil coisas ao mesmo tempo. E pensa que está ganhando tempo. Mas está, na verdade, somente descaracterizando necessidades. Com o tempo, a gente acaba descobrindo que fazer mil coisas ao mesmo tempo não é ganhar tempo. É fragmentá-lo. É perder a sensibilidade do tempo.

E uma hora, a gente acorda.

Eu sei que estes sentimentos não são exclusivos de mim. Que muita gente, em algum momento, passa por isso. São indagações. Um sentimento de solidão em meio a multidão. Um duvidar se o que tenho feito realmente é o certo. Um buscar valores reais. Riquezas do coração. Uma necessidade cruel e verdadeira de desapegar-me de modismos. De movimentos que venham em avalanche. Engolindo quem está no caminho, nem que seja por acaso, ou por acidente. E não por vontade. De olhar, sinceramente, para o que todos somos, no final das contas e do caminho e ver se faz sentido, tanta correria no tempo, tanta impaciência com o que demora, tanta reclamação no trânsito, tanta ânsia de superar ou vencer. Vencer o quê?

É como se fosse a entrada numa bolha, onde você se vê sozinho, isolado, o mundo acontecer lá fora, sem você pode fazer nada. E ver que, oras bolas, veja só, absurdamente, ele continua girando e acontecendo, sem você! E que a vida não é ingrata com você quando isto acontecer. Ela apenas segue seu curso. Assim como você deve seguir o seu. Seguir o seu curso no seu tempo. Pois ele tem uma placa de "FIM" em algum lugar que você não sabe onde é.
sentido à vida.

A vida é um sopro.