Vamos conversar?

Vamos conversar?

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Tem de rir pra não chorar...


Se eu contar, ninguém acredita. Amigos velhos já disparam “Dinovo?” “Não acredito!”. Amigos novos, rapidinho já se acostumam.

O número de vezes que eu me machuco, Caio, viro o pé, rompo ligamento, tendão e ultimamente, corte bobo  fundo em joelho que demora mais de mês pra cicatrizar e mingua planos de viagem de bicicleta.

Aquela frase “aprendendo a rir de mim mesma” serve bem pra mim e me acompanha. Junto desta: “Tem de rir pra não chorar!”. Perfeita.


Feita a arte, a não arte, desastre tem de virar motivo de risada. Resta o quê? Chorar não adianta. Reclamar só piora. Mal humor pra quê!

O meu histórico de machucadeira é louvável. Faz parte de mim. Já chorei um bocado por isso. E não vou dizer que não choro ainda quando acontece. Tem um misto de dor física e dor emocional. Porque machucar, geralmente, está ligado a uma parada abrupta e obrigatória de algo que ia fazer. Que requer um certo preparo físico, uma boa dose de loucura (esta que ainda tenho de sobra!) coragem e vontade de ir (estas, ainda tenho um bom estoque…). E toda vez que me machuco, algum plano meu vai pro espaço. E, resignada, eu fico quieta, pra recuperar e entender o porquê.

Menina, menos. Menos, menina!


Só pode ser. Aqueles lances de hora errada, lugar errado, sabe? Prefiro pensar assim: hora certa, lugar certo, pessoas certas, tudo a favor. Nada é por acaso. O que tem de acontecer, acontece. Caminhos não se fecham. Se abrem. E estas paradas abruptas quando o GPS já indicava o caminho todinho traçado no meu plano, vem que nem freada de bicicleta de quase fazer ser atropelada por ela. Aquela cena que a roda da frente freou e o resto da bicicleta não entendeu ainda e continua indo, sabe? Um engavetamento em si mesmo. Os carros engavetados nesta fila são todos em mim mesma. Que denunciam algo interessante: os vagões não estavam andando todos no mesmo ritmo, no mesmo tempo.


Desacarrilharam.

Vamos aos fatos. Fica mais fácil entender esta conversa toda.

Plano A: cicloviagem pelo Chile, na belíssima região dos Lagos. Preparada, de verdade, fisicamente, eu não estava. Já tive fases de estar num condicionamento invejável de aguentar qualquer borrachada. Nesta linguagem de hoje, galáctica! Mas rola muito mais que preparo físico em viagem de bicicleta. Rola desapego. Rola o lance da cabeça e do preparo emocional. Pra quem já fez maratona, sabe bem o que estou falando. Não adianta o cara ser todo fitness, forte fisicamente, se não souber lidar com os monstros psicológicos que brotam durante a prova. Cabeça boa. Frieza. Foco. Equilíbrio emocional.

Bem. Fisicamente eu contava com a “memória corporal” que me salva e me bota na ativa num estalo. Mas não significa que me livre de um certo desgaste e exaustão. Como eu havia feito uma mini trip bem Nutella, mas com uma rodagem até legal, no início de novembro, juntei a coragem e a vontade e pus no papel. Baixei percursos no aplicativo que uso para viagens e desenhei a viagem de férias!


O fato é que no primeiro dia que retornei para casa pós esta minitrip, toda animada, sai para regrar minha preparação física para a empreitada: alternaria corrida, natação, pedalada, juntamente de exercícios de fortalecimento localizado. Coisa que tiro de letra, tenho conhecimento, faço fácil se tiver uma meta. Manhã livre, saí animada pra girar meia hora. Me empolguei. Fui ziguezagueando pelas velhas estradinhas de terra conhecidas minhas de outras épocas e completei uma hora. Mirei o caminho de volta ziguezagueando as ruas até em casa e fui subir na calçada.



Pof! De joelho no chão. Tropecei na pedra na calçada que não era calçada, na terra e num monte de pedras, que nem deu tempo de por a mão pra amortecer a queda. O impacto foi tão forte que o corte chegou no tendão. O sangue já ia jorrar dali, mas tirei a meia do pé, pus em cima e usei o porta celular com velcro pra estancar o sangue.

Cena 1. Hospital. Um primeiro atendimento. Opções de intervenção corretas. Executada a errada. Complicações. Busca de procedimentos adequados que reparassem o estrago feito. Paciência para a recuperação.


Saldo. Um mês para fechar a cicatrização externa. Mais tempo para a cicatrização interna. Decisão. Nada de viagem em bicicleta. Nem Plano  A, nem Plano B. Que era de cruzar SC, seguindo o Guia Sul mapeado por Olinto e Rafa. Outro velho sonho meu. Passando pela Serra Catarinense, emendando todos os Circuitos de Cicloturismo de SC que eu já fiz. Chegando ao RS.


Pensa, pensa, pensa, saco o Plano C. Boto no papel. Desenho de última hora uma Triptour BR 🇧🇷. Passando pelo interiorzão brasileiro. Região Centro-oeste. Nesta região de belezas desbravadas na unha. Cachoeiras, Chapadas, regiões áridas de areião pelo Jalapão. E uma espreitadela entrando pelo nordeste brasileiro e dando um cheiro no litoral baiano. Uma junção de tour interiorano e visitas pra tomar café na casa de velhos e novos amigos. Sim! Aqueles amigos que você conhece em viagem, pega o endereço e jura que um dia vai visitar e nunca vai. E os velhos amigos de infância, faculdade, que se mudam ou são de outras cidades longínquas e você faz as mesmas promessas que um dia vai visitar e nunca vai. Era este o plano!


Cena 2. Terceiro dia de passeios pela Chapada dos Veadeiros. (Da viagem, conto depois. Noutros posts!) Trilha belíssima que mistura mata fechada, descampados floridos e de sol escaldante, descidas e passagens em rios cristalinos. E uma chegada impactante! Daquelas… “Jisuis! MeoDeos!” E ficar sem fôlego, boquiaberta, paralisada por tanta beleza. Início de tarde, sol a pino. Tudo convida!


A piscina represada, a água cristalina repleta de peixinhos em cardume, aquela queda de mais de  120 metros de altura, se despejando sobre o paredão, chamando. Mix de tudo. Fazer vídeos, fotos, tagarelar com quem estava no caminho, reencontrar amigos de outras trilhas, nadar, boiar, ir até a cachoeira, congelar de frio, voltar correndo pro sol nas pedras. Por corta-vento. Nadar de volta pra Cachoeira. Matar a vontade de ficar ali sentada zen… Aquietar na pedra e só contemplar… Já estava feito. Mas, irresistivelmente, a sessão fotos começou. Eu não tinha feito ainda nada no estilinho clichê. Mas me rendi. Me ofereci tirar fotos para um casal que tinha esquecido o celular e câmera. Pra mandar pra eles depois. Aí pedi. “Tira pra mim?” Pronto? Pronto. Mas eu inventei de subir de novo na pedra pra tirar outra foto.


Desnecessário. Pura bestagem. Feita a bobagem. Subi. Me desequilibrei e caí. Tombo feio. Pranchei de costas na pedra na água. De uma altura de um metro, da pedra onde eu estava, fui de costas pra água que, logicamente, era cheia de pedras. Aquela foto desnecessária que você podia ficar sem. A pancada foi violenta. Disfarcei. Fiz de conta que não machuquei. Saí dali. Fiquei fazendo gelo nas costas na própria água da piscina da cachoeira uma meia hora. Eu estava morrendo de vergonha da bobeada que dei. Aquela cena ridícula de fazer o desnecessário por uma foto.


Cena 3. Eu achava que três dias de molho, off seriam suficientes para me recuperar do tombo e seguir viagem.


Cena 4. Hospital de Brasília. A 280km de onde caí. Nove horas de espera. Raio X feito. Sem fratura. Mas o óbvio esperado. Fim de trip. Repouso. Nada, nada de movimento.

Cena 5. Em casa. Descarregando o carro. Bagagem pra mês e meio de viagem off-road, com a casa dentro do carro. Barracas, equipos de camping, bicicletas dentro, equipos para Cicloturismo (vaiquedá, né?). Enfim. Carro cheio, esvaziado, a interrogação. Por quê?


O bom da idade é que vai deixando a gente mais diboa. Alguns podem pensar que é se acomodar. Aceitar sem brigar. Não. Não é. A vida ensina. Fazemos. Fazemos muito. Mas não temos o domínio de tudo. Coisas acontecem e nem todas acontecem a favor dos planos que fazemos. Algumas vezes, pra ensinar persistência. Pra gente ir lá uma segunda, uma terceira, uma quarta vez. Pra testar o brio, a vontade mesmo. Pra fazer valer mais. Noutras pra mostrar o outro caminho. O outro jeito. O outro mundo a se viver, naquele momento. Pra você estar no outro lugar que não estava nos planos, mas que tem algo a te ensinar, algo a você fazer. Acredito assim.


Era pra ser mês e meio viajando. Foi semana e meia. Conheci um bocado de gente com esta minha mania de ir puxando conversa até com parede. Mais que qualquer presente que a natureza oferece neste meu deslumbramento em conhecer lugares de cair o queixo e me deixar muda, este conhecer pessoas no caminho me fascina!



Descobrir pessoas que saem do conforto de suas casas, da mesmice do sofá, da TV, que conseguem desconectar do celular para viver ao vivo, experiências novas, não on-line. Mas onlife! Poucos minutos ou horas de conversa com pessoas que você nunca viu, talvez, nunca mais vai ver, que te reabastecem de alegria e energia.



Uma espécie de reacreditar na simplicidade das pessoas. Laços essenciais e simples que tecnologia nenhuma rouba ou é capaz de replicar. Laços ternos entre irmãos que viajam juntos.


Pedido de casamento feito em cima de balão pra mulher da tua vida.


Amizades que brotam no meio do nada, só por causa de uma carona dada, uma conversa iniciada no café, na cachoeira, na estrada. Isto tudo vivi!


A história que começou com o nome de “Tem de rir pra não chorar” veio pipocando na minha boca na viagem. Dá um livro. Porque viajar parece ser um compacto em alta rotação da vida. Onde você atenta ao que realmente importa.

Não dá pra perder tempo se lamuriando, valorizando problema e desvalorizando o que é presente de graça. Não ter o controle de tudo não é problema. É a surpresa da vida. A minha relação com as paradas é longa. Algum motivo sempre tem. Iniciar a viagem só atiçou ainda mais a vontade de ir. Mesmo que parando. Algumas portinhas se entreabrem e se fecham porque não é a hora certa, o jeito certo, a forma certa. Só. Rir de mim mesma a cada cena , uma forma de fazer graça da desgraça, que torna comédia o drama pesado de chorar de si mesma.


Foram apenas dez dias de viagem num plano de quarenta e cinco. Tem mais coisa a se contar. Ixi. Como tem. Pra quem crê, livramento. Noutra linguagem, um tirar da cena com dedos cuidadosos, pra que a peça aconteça na hora certa. Desde carro quebrado na volta, o repensar do dirigir mais lento e mais cuidadoso na estrada. Os quase atropelamentos de animais atravessando a pista que não aconteceram porque voltei de táxi rodoviário, com um motorista ultra cuidadoso andando a 80 e o meu carro no guincho…


Cena final. Cena de novela. De drama. Tragédia romana que virou aventura, risada, espera, madrugada adentro, aprendizado. A vida oferece isso. Pega a cena quem quiser!

Daquele periódico que meus pais compravam “Flagrantes da Vida Real” a sessão chamada “Rir é o melhor remédio” fecha a cena.


Fim


Fim, nada. Logo tem mais!



4 comentários:

  1. Amei, que experiência maravilhosa. Apesar dos acontecimentos.
    A vida é para ser vivida e vc é um exemplo de força e fé.
    Parabéns guerreira. Saudades.

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  2. Cada momento...hein...não vejo a hora das novas aventuras, um forte abraço.

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