Vamos conversar?

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quarta-feira, 3 de agosto de 2011

O menino que não queria ser herói

Todo mundo quer ser herói! Havia um que não queria ser. É desumano ser herói. E só isso bastaria para entender o seu desespero, quase seu apelo em não querer ser, diante da incredulidade de toda uma gente acostumada a atos heróicos...

Vou contar a história dele...

Quem já não viu, em sua vida, um menininho vestindo qualquer malhinha e amarrando um pano vermelho no pescoço, feito capa, dar uma de Super Homem, Super “Alguma-Coisa”? Quem já não desejou ter super poderes para voar, ver através de paredes, auto-transportar-se, ser muito forte para bater num cara mal, ou até simplesmente para nunca envelhecer? Parece coisa de criança, mas o que acontece é que, adultos, continuamos vivendo a eterna vontade de sermos Super Heróis, desejando ser aquilo que não conseguimos ser. Ou que, no fundo, não desejamos ser, mas que parece ser mais bonito, pra todo mundo, que sejamos.

Não falo dos nossos sonhos mais íntimos, aqueles que, tantas vezes, temos até vergonha de dizermos que sonhamos. Falo de papéis! Do agir “politicamente” correto. E, sentimentalmente, num ato auto-mutilante, num suicídio disfarçado de ato de heroísmo.
Havia um menino que nasceu, feito rapa-de-tacho, numa família já um pouco numerosa, mas cujos pais, já em idade avançada, já não esperavam mais que fossem receber mais um bebê. Começa aí a história do não querer ser herói. O que todo mundo espera? Nossa! Que bebê mais lindo! Que graça! Veio tarde, mas amamos mesmo assim. Será um presente pra nós termos uma criancinha em nossa casa agora... E todos os comportamentos “corretos” vão sendo desenhados, de acordo com o que todos esperam ser o correto.

Digo que ser herói, ao contrário do que se prega, não é ser um cara bom que se preocupa com todos e que deve ter um coração de ouro. Ao contrário, tem de ter um coração de aço! Que não sinta, e não tenha sentimentos! Porque fazer algo pelos outros, a consciência manda. A obrigação aponta. Os super poderes permitem... Mas não é necessário ter sentimentos! Se tivesse, não o faria. Como? Alguém não se lembra do dilema do Super Homem ao amar a Lois Lane e de querer, simplesmente, ser um simples mortal e não poder, porque nasceu para ser um super Herói e, portanto, um desumano, e não poder? Primeiro porque sua identidade é secreta... Dá pra acreditar? Viver escondendo sempre e pra sempre a sua verdadeira identidade? Fazer de conta que se é um e não ser? Vestir-se em alguns momentos de outro personagem para fazer atos heróicos e levar uma vidinha medíocre, boba, ignorando seus próprios sentimentos? Eu pergunto: que graça tem, ter super poderes e não poder amar de verdade? Ahhhhhhh! Mas aí me dirão: Mas o super Homem amou a Lois Lane! Amou? Que tipo de amor é este que não pode ser vivido? Amor platônico? Que não pode ser declarado ao ser que se ama porque ele tem de guardar seu segredo eterno???

Amar está diretamente ligado à capacidade de se assumi-lo, decidir-se por vivê-lo, a despeito das dificuldades que virão! Porque virão! Nunca, ninguém falou que seria fácil viver. E quem decide por viver, de verdade, não encontrará, nunca, um caminho mais fácil, Porque o caminho mais fácil não leva à vida, mas à morte em vida. Ao acabrunhamento, à vida morna e cinza...
Querer ser herói é optar por ser insensível! Não ter seus próprios desejos e sentimentos. É optar por viver somente pelos outros. Fazendo sempre o que os outros esperam que você faça! E há muito mais gente vivendo assim, do que imagina a vã humanidade...
Então, eu pergunto: Isto é bonito? Heróico? Executável?

Corajoso para mim é quem assume que não é capaz de continuar a representar os papéis que sempre lhe atribuíram. A dar um basta nesta história de que todo mundo tem de ser herói. E em nenhum momento estou dizendo sobre parar de acreditar em buscar coisas que parecem ser inatingíveis. Estas são os sonhos. Atos heróicos são barbaridades que nos enfiam, goela abaixo e que carregamos como tijolos entalados na garganta, quando não conseguimos cumpri-los. Como se fôssemos culpados por sermos, meramente, humanos. E quem me mostrou isto, foi este menino que gritava aos quatro ventos: “Não quero ser um herói!”.

O menino cresceu ouvindo o que toda boa família poderia dizer sobre a vida, sobre o quê fazer, estudar, o que seriam as coisas a seguir em seu curso normal da vida. Acontece que o destino pregou uma peça nele. Por já ser o mais novo, conforme ia seguindo na sua adolescência, viu todos os seus irmãos e irmãs saindo da casa de seus pais, ao se casarem e formarem suas famílias. Então, passou a ser a única companhia mais jovem na casa e, conseqüentemente, conforme a idade avançava para os dois, pai e mãe, foi absorvendo todas as responsabilidades em cuidar de ambos e da casa também! Curso natural das coisas? Sim, na maioria dos casos. Quantos de nós, não nos vimos invertendo papéis com seus pais, tendo de vigiá-los se comiam certo, se já estavam dormindo, fazendo-lhes comida, dando-lhes banho e até mesmo carregando-os para o médico, hospital, ou adormecendo ao lado deles, na preocupação por estarem adoentados? Mas, o tempo prepara as pessoas para isso! As etapas quando acontecem, naturalmente, vão incutindo nas pessoas a paciência para doarem-se, pois já cursaram um caminho onde foram cuidados, cuidaram de filhos e sabem que os próximos da fila, após seus próprios pais, serão eles próprios... Acontece que, quando não se trilhou a própria vida ainda, não se pôde sair em busca de seus próprios sonhos, suas próprias ambições, criar seu próprio projeto de vida e lutar por eles sem o menor remorso de estar fazendo o que lhe é de direito e lhe é imposto de cumprir o papel do o que é o certo a se fazer, todo mundo fica esperando que surja debaixo da sua carcaça, a figura de um herói resignado que, esquecendo-se de seus próprios sentimentos, suas vaidades, suas verdades, abdique de sua vida própria para, sorridentemente, viver em função do outro. Ainda que o outro, seja o próprio pai e a própria mãe!

Fácil é, resignar-se e passar a interpretar o papel que todos esperam que o bom filho cumpra... Pois ouvirá de todo lado, elogios, frases de admiração que levarão seu ego lá pra cima, voando... Difícil é, assumir-se cheio de defeitos! E ser o anti-herói que tem sentimentos, sonhos, vontade de sair correndo, tomar vento na cara, viajar, fazer loucuras, não ter hora pra voltar, não dar satisfação, não ter que fazer, sempre, só o que lhe pedem, só o que é a vontade dos outros, estar sozinho ou acompanhado de outras companhias que não sejam somente seus pais! Quem não sabe direito a história ainda se atreverá a julgá-lo! Falta de sentimento, de amor ao próximo... Próximo? Onde ele está nesta longa fila de próximos em que todos devem ser ouvidos e atendidos, menos ele próprio?

Conhecem doenças? Que debilitam. Que causam dependências. Que tornam pessoas em seres mau-humorados. Que tornam pessoas em vozes ranzinzas onde nada está bom ou bem feito? Conhecem o Alzheimer? Que torna a pessoa que você tanto admirou em sua infância, a pessoa que te deu colo e sempre foi a alma da família, a pessoa sorridente que acalmava os ânimos das brigas entre irmãos, que acolhia nos choros de criança, que ouvia nas noites adentro sobre qualquer bobagem acontecida, ou uma dúvida, angústia, numa pessoa totalmente estranha??? Que se esquece do que acabou de dizer a exatos cinco minutos atrás? Que te pergunta a mesma coisa repetidas vezes, que vira-se para o outro lado e pergunta a mesma coisa, ainda uma vez mais? Que você não reconhece mais, nem olhando no mais profundo de seus olhos??? Conhecem o sofrimento de querer estar bem longe pra não ter de enxergar dia-a-dia o definhar e a decadência da vida das pessoas que já foram seus heróis quando você era criança? De querer fechar os olhos, somente para não ter de ver que a vida deles está esvaindo-se, bem diante de seus olhos, cada vez mais e mais, dia após dia? E de SENTIR, SOFRER e somente não querer mais continuar a sofrer? E não ter outra opção, nem ninguém que te substitua neste papel, nesta casa e que você nunca tenha a quem recorrer, a reclamar, a dizer que não agüenta mais, que quer respirar, sair, ficar longe, porque qualquer um que você disser isso irá te recriminar, te apontar o dedo, mas que nenhum, nenhum, destes que te julga, ou condena, trocaria de lugar com você? Porque tem mil e umas desculpas para justificar porque a vida deles é muito mais difícil que a sua. E porque você, sendo o que tem menos responsabilidades, pois afinal ainda não tem filhos, é a pessoa mais indicada a continuar a cumprir este papel, que só você vê que não é só seu?

Coragem é assumir-se totalmente falhível, errante, com vontades próprias e sentimentos latentes lá dentro. De possuir sonhos. E de que não quer, não pode, não consegue fazer somente a vontade dos outros! Coragem é descobrir que se é, apenas, humano, sem grandes super poderes que se tem até sentimentos simples e comuns e que não se é aquela fortaleza que faz tudo pelos outros até acima de qualquer sentimento, vontade e sonho bobo, mas que todo mundo tem ou tem o direito de ter! Este menino existe, sofre, se culpa e tem vontade de sumir. Mas não é de morrer! Porque, ao contrário do que ele pensa, ele tem é sede de viver! Somente! Viver, sem culpa nenhuma. E não há nada de extraordinário, ou criminoso nisto! E ele só se libertará, no momento em que se desamarrar destas tantas teias que tecem sobre ele, como se ele tivesse de envelhecer junto, ser ranzinza junto, e passar pelo corredor do esquecimento, assim como o Alzheimer corrói e leva seus personagens por uma névoa, embora, deixando-se levar a si mesmo...

Não digo aqui, como se o culpado fosse ele mesmo. Porque dizer pelo lado de fora, é muito fácil, como se fosse eu, mais uma a julgá-lo e condená-lo. Vejo, diariamente, pessoas que abdicam de viver suas próprias vidas para cuidarem de familiares próximos e nem tão próximos assim. Porque isto lhes dá a carta de alforria de, um dia, se cobrarem “o que foi que fizeram de suas próprias vidas”! Porque se, ao chegarem ao final de suas vidas, alguém lhe perguntar “Ah! Mas você não viveu um amor?” ou “Você nunca trabalhou ou fez algo que realmente queria?“ Você terá o álibi de dizer “Não, não pude. Tive de cuidar de meus pais, eram doentes...” ou “Não pude, cuidei de pessoas ao longo da minha vida, não era humanamente possível fazer as duas coisas ao mesmo tempo..” ao invés de dizer “Não tive coragem de viver...”. Porque ser humano passou a ser condenado e bonito é, querer ser o Super Herói da vida de ninguém... Porque, ao final do episódio, todo mundo esquece, desliga seus sensores de assistir à vida alheia e você descobre que você é alvo de ser visto e falado, apenas enquanto está em cena. E que o pano cai, a televisão desliga, o capítulo se encerra e a vida também. E que a vida é única, queira ou não, independente de como cada um crê, religiosamente, sobre quantas vidas se tem para viver e o que tem de ser feito tem de ser no agora, porque, chavão seja dito, o amanhã pode ser tarde...


Anti herói? É mais sincero. Justo. Mais humano. Porque, verdade seja repetida: ser herói é se desumano. Prefiro a sinceridade, a falibilidade dos anti heróis! Porque, estes, possuem sentimentos...

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