Já passamos por tantas coisas… e são tantas, tantas que desejo, ainda, passar! Já errei tanto, tanto com minha filha... e o melhor é ver que já nos perdoamos, que já caminhamos e não desistimos nunca de nos amar! Uma mãe desenha sonhos... Mas não sabe como eles serão distribuídos na vida de uma filha. Que nuances terá. O que irá compor. E, de repente, vê que o pincel deve ser manuseado por ela própria e não mais por você.
Já fomos defensoras de sermos cúmplices, de termos uma incrível “telepatia” entre nós que nos permitia sabermos, antes mesmo da outra falar, o que diríamos. Antevíamos as falas, as caras, os gostos. Compartilhamos sonhos. Protegi e fui protegida. Defendi e fui defendida. Invertemos papéis. Fiz-me de filha e ela de mãe. Erramos. Acertamos. Brigamos muito. E calamos tanto.
Houve o tempo em que ela cabia em minhas mãos. Depois em meus braços. Até que houve o momento em que, relutante, eu tive de aceitar suas asas e seu vôo próprio. Assisti com um sorriso nos lábios todas as suas tentativas. Quis estar junto. Quis me afastar para dar-lhe espaço para seguir seu rumo, buscar seu caminho. Sentir-se, suficientemente, segura sozinha para poder seguir, pois fui criada e procurei criar para sua independência. Até ver que, emocionalmente, ninguém pode ser totalmente independente do outro. Que emoção não é razão. Que decisões que se toma sozinho para tantas outras coisas não são referências para optar se quero, ou não quero amar! Quero, ou não quero estar triste. Preciso, ou não preciso de colo, de abraço. Chorar e sorrir na companhia de quem se ama.
Fomos por um corredor. Aquele mesmo corredor do qual sempre falo. Onde batemos a cabeça de um lado, depois, batemos do outro. Numa busca constante e incessante do equilíbrio. Do meio. De um meio-termo que nos permita ser nem só uma coisa, nem somente outra. Que nos dê o direito de não só errar, nem só acertar. Que nos mantenha mais humanas. Que nos resgate a condição de pessoas. Que não cobrem, nem sejam cobradas por perfeição. Que sejam um pouco menos egoístas sem serem tolas. Que sejam um pouco mais flexíveis, sem serem sem opinião. Que sejam um pouco menos leves sem serem fúteis. Que sejam um pouco menos duras, sem serem moles demais ao ponto de permitir que os outros não respeitem suas opiniões. Que possam sorrir sempre que tiverem vontade, gargalhar ruidosamente, de dobrar-se de tanto rir, de encher os olhos d’água de felicidade, de desenhar um sorriso vivo, pleno e inteiro de olhos brilhantes e lábios radiantes e que esta felicidade seja, escandalosamente compartilhada e vista, e declarada, denunciada só no olhar. Que a sintonia seja quanta e tanta for a intensidade do amor. Mas que possam, também, chorar. Serem fracas. Terem medo. Vacilarem diante do novo. Que tenham dúvidas. Que permita choros, colos, engasgos desengasgados, para que o nó se desfaça, ainda que haja dores, que haja medos. Mas que a certeza de se ter ao lado, a mãe, a filha, a pessoa amada seja sempre plena e maior que mesmo na ausência se sinta a presença. E que a lembrança seja uma luz de esperança em todo momento onde se esteja só pra não se sentir solitário. Que o calor de todos os momentos de conversa madrugada adentro, de filmes água-com-açúcar debaixo do mesmo edredom, da mão quente que aquece, das noites apertadas e dormidas numa mesma barraca, acompanhem seus dias, suas noites, acalentem, aconcheguem e não a deixem nunca só. Era o tempo de enxergarmos nossos contrastes. E de nos aceitarmos exatamente assim: imperfeitas! Singularmente, nós mesmas!
Então, caminhamos juntas. E vejo, hoje, que isto é o que realmente importa. Pois esta cumplicidade, este compartilhar nos une pra sempre. E todas as coisas tornam-se pequenas diante do amor. Não existe dificuldade que não possa ser vencida por ele. E aprendo que ter lágrimas nos olhos por vivermos juntas momentos só nossos, só nos faz ver que nossa essência não secou e que a fonte está viva dentro de nós.
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