Dói, dói, dói, dói.
Dói, não dói, dói, não dói, dói, não dói.
Não dói, não dói, não dói, não dói...
Descobri que é assim a vida de corredor!
Feita de auto-sugestões poderosas, convincentes para que o cérebro envie mensagens ao corpo, principalmente às partes que DOEM após o exaustivo trabalho físico, convencerem-se, no exaustivo trabalho mental de que NADA DÓI!
Acabei de ler o livro de Haruki Murakami “Do que eu falo, quando eu falo de corrida”. Título em menção ao outro, lido pelo autor, em que a palavra corrida substitui outra: AMOR! Nele, li frases interessantes. Passagens hilárias e cenas que, certamente, todo corredor já passou! Uma delas, marcantes pela essência que contém é algo parecido com “Nenhum ganho é adquirido sem a dor!”. Tão forte, quanto verdadeiro... E, hoje, chegando em casa, após uma hibernação total de corridas por oito meses, decidi mandar mensagens da ALMA ao cérebro e este, por sua vez, ao corpo. Ou talvez, seja em outra ordem... O corpo, em completa e alucinada abstinência de sua droga pedindo desesperadamente à alma que se solidarize com ele e convença à mente de que é chegada a hora! De contrariar, de novo, o que a ciência dita e ir contra a maré. Afinal de contas! Se era para parar para parar de sentir dor e a dor continua, solicita-se, então, uma segunda chance ao “Invisível”. Sentir dor correndo... Ou ainda, na misericordiosa e conhecida atitude do “Senhor Invisível”, correr, novamente, sem sentir dor! Pois olhe só o que se sucede, então! Após este jejum sofrido, combinado com uma amiga do grupo em que corria, planejei ir, simplesmente ir, sem consultar se podia, se devia se agüentaria. Fui! E... para lavar a alma, com as próprias lágrimas que minaram quando o trecho estava já sendo cumprido, ao final, ao mesmo tempo em que desacelerei, no começo de uma dorzinha tão conhecida, olhei pra trás, busquei o olhar amigo de quem tem me acompanhado, agüentado neste longo caminhar, esperei e dei-me o direito de dar-lhe a mão e mais a outra amiga/companheira de corrida para chegar com anjos junto de mim, uma de cada lado, como se a chegada ao Botânico fosse um lindo portal de chegada, da corrida mais esperada por mim: o meu retorno! É lógico que chorei! Parei com os pulmões pulando pra fora, mais do choro, do que da falta de resistência que se perde, com certeza, por longos oito meses sem correr. Abracei a minha amiga, andei pra ver se o coração parava de insistir de pular pra fora, dizendo que estava vivo, de novo, andei mais um pouco e, de repente, parei naquela posição tão conhecida pela gente. Abaixei-me, com as mãos apoiadas nos joelhos, apoiando-me a mim mesma e chorei compulsivamente... Eu tinha vencido meus medos. Eu só conseguia agradecer a Deus por ter sido, mais uma vez, tão bom comigo... Justo comigo que nada mereço! Como pode um Deus ser assim tão bom??? Chorei e chorei e chorei. Eu tinha corrido 10km! 10 km com sabor de 42! Fechar o percurso ali que saía do Botânico, ia próximo da pedreira no Cafezal e voltava me deu a alegria tal qual quando concluí minha primeira maratona. Ou ainda, mais longe, quando dei minha primeira volta inteira no “meu” lago. Eu estava radiante. Mas, principalmente, enxerguei o quanto Deus é fiel, cuida, presenteia quem nem sequer merece, se fosse ver o descaso com que tem sido lembrado em minha vida... Mas Ele é assim, gracioso, misericordioso e dá aquilo que Lhe convém, no Seu tempo, ainda que não saibamos o porquê. Usa, sabiamente, o tempo para nos educar. Dá e tira. Porque quando temos algo, indefinidamente, deixamos de enxergar o quanto exageramos ou nos cegamos para tantas coisas, que também são parte de nossas vidas, importantes e que carecem de nosso tempo.
A corrida mexe demais com a gente! Todo corredor vive, sente e sabe disso! Não invariavelmente, a corrida nos chicoteia, nos educa, nos remete a uma dimensão de aprendizado onde correr é apenas o cenário que operacionaliza aquilo que acontece conosco na vida. Superar limites, vencer desafios, acreditar em impossíveis. Crer quando nada parece indicar que o caminho nos leva ao sonho. Correr nos faz, se nos permitirmos, mais crentes! Aquele que crê. Em Deus, em sonhos, em esperar o tempo certo de acontecer. E vivenciar o sonhado!
Eu sei que há todo tipo de corredor. Mas falo daquele corredor com ALMA de corredor! Pois há vários tipos espalhados por aí que apenas vestem a veste e saem para suar e marcar presença. Tudo externamente. Mas quem vive coma alma de corredor latejando cá dentro possui uma força tão grande dentro de si que pode realizar coisas que sua imaginação duvidaria! É uma ousadia atrevida que nos faz quase arrogantes. Ou prepotentes. Ou ingênuos na visão daqueles que se dizem “realistas”... Acreditamos em coisas que, muitas vezes, a nossa aparência enuncia-nos como “loucos”. Mas, quem não sabe em nosso meio que “louco é quem me diz que não é feliz... Não é feliz...”.
A paixão, o entusiasmo torna possível aquilo que todos os outros não acreditam. Eu vivenciei, nitidamente, isto ao sonhar e acreditar na Maratona de Londrina quando eu a pus no papel e, ali, pouca gente era capaz de acreditar vê-la acontecendo. Mas a paixão que faz brilhar os olhos, aquela coisa intensa que faz pular de dentro da gente aquele entusiasmo é capaz de convencer o outro que também sonha e deseja realizar o sonho. O entusiasmo casa-se, então, com a determinação. Que move e empurra-nos, tirando-nos do sofá, da cama, e nos põe lá fora pra ir atrás do que buscamos. A perseverança nos faz prosseguir. Mas a paixão acende a chama toda vez que nos vemos numa escuridão que intenciona nos fazer desistir. Tudo isso no plano humano. Mas, definitivamente, tudo debaixo da vontade de Deus.
Já tive uma fase exagerada onde necessitava falar de Deus a todo momento. Exagerei. Aliás, tendo a exagerar em quase tudo na minha vida. Foi por isso que tive de parar de correr. Excesso de treino, de rodagem, de subideira, de perrengue, de paixão por correr sem querer descansar. Como todo excesso é prejudicial, obviamente, minhas idéias confundiram-se muito e perdi o rumo em várias coisas importantes da minha vida. Quando isto acontece, recuo. E, embora continuasse crendo em Deus, parei de mencioná-Lo, de me lembrar dEle, de Lhe pedir o que fosse importante para mim. Hoje, pedi! Pedi que pudesse correr! Correr depois destes meses todos, sem colocar o esqueleto pra chacoalhar no asfalto é quase como reaprender a andar. Como eu, de fato, já passei, após aqueles sete meses de muleta, quando o fisioterapeuta me ordenou para deixá-las de lado, e ANDAR! Medo... medo.. medo... A gente parece ter medo que o corpo não se lembre como é que se faz pra andar de novo! Mas... ele sabe! Disse hoje, depois de ter parado de correr, depois de passar a euforia toda, quando tomávamos um café todos juntos, que o corpo parece ter uma memória corporal que homem nenhum conseguirá criar e colocar no mais moderno computador. Quando acordei e, sem me permitir pensar muito (SENÃO DESISTIA!) revivi aquele conhecido ritual: por o top, por a camiseta, o shorts, calçar os tênis... E eu ACREDITEI que TUDO daria certo. TEM QUE CRER! Creio, este é o primeiro passo. Tem que CRER e QUERER! É o segundo passo. Não adianta uma parafernália de coisas “externas” se lá dentro não houver aquilo que, realmente, move um corredor ao seu alvo. Sei que não permiti qualquer nuvem escura se aproximar de mim e saí. E quando, depois de toda converseira habitual pré corrida já havia se esgotado e a hora havia chegado, fui pro asfalto e fui saindo de mansinho... Sentindo o corpo. Sentindo o vento. Sentindo, sentindo... Cara... não dá pra descrever!!! Acho que depois de uma disfarçadinha daqui, um papinho dali, fui me afastando, como se fosse um momento só meu, para que eu pudesse me perceber que eu ESTAVA, FINALMENTE, CORRENDO! Tudo como antes. Arregaçando a camiseta, indisciplinadamente para cima, pra me safar do calor, com aquela “quebrada” de quadril tão característica minha e que nada mais é do que o modo que meu corpo encontrou para livrar a sobrecarga do movimento da corrida de meus joelhos lesionados, a necessidade de rapidinho arrancar de vez a camiseta e correr só de top e de achar uma bica, uma torneira para enfiar a cabeça debaixo da água pra me ensopar todinha pra refrescar meu carburador e dar um refresco na alma... Era como se nunca houvesse ficado sem correr! As subidas mais sofridas, as descidas soltinhas, a passos largos, o corpo indo, indo... Eu estava extasiada!!!! Radiante!!! Chegava ter aqueles pensamentos bobos e sinceros tipo, que poderia morrer ali que morreria feliz... Que se eu nem corresse mais em outro dia, que já me bastaria ter vivenciado esta maravilhosa sensação de ter corrido por este dia. Mas que, rapidinho espantei a idéia e pedi a Deus: “Ah, vá, pode ser por mais tempo, Pai?”. Corri uma parte sozinha para, na volta, me juntar aos meninos e correr no compasso deles. Tive, ainda, o tempo de ver que o céu inclinava-se pra mandar chuva e, relembrando o deleite que foi terminar meus primeiros 42 debaixo de chuva, desejei a chuva. Correr na chuva era dos meus maiores prazeres!!! E dividi com os outros que se Deus quisesse, ia chover... Parei para refrescar o carburador na bica do IAPAR, novamente e segui. O céu estava carregado e meu coração dizia “pra brindar o dia, só faltava vir a chuva...”. Pois olhe só! Na descida do Botânico, nos últimos 2km, vim papeando com Deus, numa conversinha te-te-a-te-te e pedi, de novo a chuva... Acreditem, ou não, a chuva veio na mesma hora... Pode? Pode! Soltei um grito bem lá do fundo da alma. Ia mesmo lavar a alma!!! Chuva boa!!! Pra fechar o dia!
Da hora que terminei os 10km, da hora que me afastei um pouco do pessoal e chorei, da hora que agradeci a Deus eu pensei em sentar e escrever. Sei que meus textos são longos. Extremamente longos! Miguel Delgado pega no meu pé. Ricardo Hoffmann tenta me dar dicas. “Respira, Susi! Respira!” Com isso, ele quer dizer para eu falar de-va-gar... Senão sufoco o leitor! E o Miguel me diz: “Dê enter! Dê parágrafo! Não joga num blocão, não!”. Meninos, me perdoem! Hoje depois de tanto tempo sem escrever, sem correr, me dêem o direito de ser assim... tão Susi!!! Estou feliz demais! Do tipo, o mundo pode acabar hoje. Mas, melhor ainda se começar a partir de hoje.
Bem, que já leu meus textos, noutras vezes, sabe que se não fosse assim, não seria eu. Eu precisava dividir esta alegria. Muitas pessoas acompanharam que eu não pude correr por meses e a “minha” maratona tão sonhada foi “corrida” pelas 42 asas, que se tornaram quase 200... As coisas nunca acontecem por acaso. Não correr gerou outras coisas importantes. Pequenas, mas nunca insignificantes. A idéia de criar as asas para eu correr envolveu um monte de gente de diversos lugares deste Brasilzão. E, de vez em quando, alguém me conta que foi correr com o botton, ou que correrá a próxima corrida com ele. Ou que, ainda, correu por aí afora e fez o anjo... NADA É POR ACASO! Se era isso que o “Cara” lá de cima queria de mim, me pondo de castigo, não correndo por estes longos oito meses, tudo bem! Entendi a mensagem. Repassei. E ela rodou. Correr é bom demais. Mas se você dividir esta alegria com alguém, se você puder ser anjo na corrida, na vida, se puder pensar no outro, fazer algo pelo outro, esta alegria multiplica. O prazer extrapola. O sentido ganha uma dimensão muito além. E a corrida passa a ser, aí sim, um bom motivo de viver.
Obrigada a todos os anjos que correram por mim! Tardio o agradecimento, mas vem do profundo, do mais profundo do meu coração!
CLICS são as capturas que fazemos de momentos. Imagens que congelamos e eternizamos. Palavras que imaginamos e lembramos. Numa junção e numa brincadeira gostosa de palavras e imagens, cartas são escritas, sonhos postos pra fora e a conversa acontece...
Vamos conversar?
Vamos conversar?
Que bom saber que está viva, em todos os sentidos! Adorei ler esse blocão, e recordar das paisagens de sua terra. Senti novamente o frescor da água, quando mergulhei de cabeça naquela bica do IAPAR, aquela subidinha gostosa antes de dobrar a esquerda e novamente sentir a presença de Deus na suave brisa quando na descida do botânico. Você foi agraciada com as lágrimas do Pai nesse trecho, de felicidade, por ti.
ResponderExcluirParabéns amiga! Você merece sentir esse prazer. O botom das 42 asas é parte de meu corpo, vive na minha mochila no meu dia a dia, estou sempre lembrando desse fim de semana maravilhoso que vivemos ai.
Ricardo Hoffmann!!! você tem uma maestria com as palavras sem igual! "Pega"direitinho toda a essência dos sentimentos lidos... compreendeu, captou exatamente o que senti e passei ali... Talvez porque seja mesmo um local um tanto mágico que envolveu um momento único na maratona... E tornou mais forte ainda, ao descrever a chuva fina como o Pai chorando cmg... de ALEGRIA! Obrigada pelas palavras!
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