Vamos conversar?

Vamos conversar?

domingo, 13 de maio de 2018

Na contramão, encontramãe



Não é só um trocadilho. É pra contar das mães que andam na contramão!

Vou falar da minha.

Não era aquela mãe galinha choca, de trazer pra debaixo da sua asa, sua cria.
Nem tampouco, de ficar enchendo a filharada de beijo e abraço. Não!
Também não aparecia. Também não falava, se não lhe pedia. Não se intrometia.

Não nos punha debaixo da asa porque queria nos ensinar a voar. Conseguiu.
Não beijava, nem abraçava. Não sabia. Não tinha recebido este tipo de carinho e aconchego como filha. Às vezes, não conhecemos o passado, julgamos sem tentar compreender.

O carinho dela era outro.

Era ensinar quantas vezes precisasse. Era deixar a casa lá, um tanto bagunçada nos olhos críticos dos outros, mas o suficientemente bagunçada para podemos ser crianças felizes, para brincar de casinha no quintal de casa, usando panelinha miúda em cima de tijolo deitado e fogo de verdade aceso com galhos do próprio quintal. Que também era mantido por ela como um reduto e refúgio. Um verdadeiro mundo a parte para nossa infância curiosa, criativa, que desbravava cada galho de árvore, brincando de casinha em cima dela. E que parecia ser gigante.

Uma casa que vivia riscada de giz desde o quadro que parece ter nascido pregado na parede, na altura do alcance dos nossos pequeninos pés, na passagem para a cozinha, onde todas nós rabiscamos os primeiros desenhos, as primeiras letras e nosso nome, muito antes de irmos pra escola! E que inventávamos casas imaginárias pelo chão da garagem de piso vermelhão, daqueles mesmo, feitos de cimento queimado e anilina, que para ser mantido brilhoso, nos custava passar com um pano e de joelhos no chão, uma pasta de cera, esperar secar bem, pra depois passar o escovão! Que significava, mais que trabalho, outra diversão! Quando uma ia sentada no escovão de ferro e a outra empurrava…

Casa viva não pode ser casa brilhando de limpa e intacta, com tudo no lugar, objetos - e brinquedos - dispostos feito vitrine sem saírem do lugar. Casa com vida tem de ser dinâmica, com sua pitada de bagunça e alegria. Que revele ter acabado de passar ali, uma criança. Senão… Senão, não vale à pena!

A casa da Dona Estela, nos meus tempos de criança, tinha quintal de terra, pé de goiaba, pé de manga, mamão, limão, caqui, ameixa, tinha uma barra de pendurar criança, um aquário de chão, até horta com alface que eu usava de comidinha, quando brincava de casinha. Parecia imenso, de caminhos infinitos que atravessavam ele. Mas eram meus olhos de criança que viam tudo gigantesco! Era quintal pequeno. Mas, vai ver, não era isso que importava para ele se tornar tão grande. Eram as possibilidades que existiam nele…

A casa era de madeira, mas tinha banheira! Era o máximo do deslumbre pra gente, quando podíamos encher pra tomar banho… E o  quarto comportava 3 camas lado a lado e o meu berço na janela. E como me lembro dele! Quando eu já não cabia no berço, meus pais compraram uma beliche! Que rapidinho virou espaço pra brincar de casinha. Era só estender um lençol pendurado na cama de cima, pronto! Tínhamos um “esconderijo” secreto…

Minha mãe foi aprender a dirigir “tarde”. Lá pelos seus 40 anos. Tarde? Na verdade, ela foi contra a regra nisso também. Difícil era ver mulher dirigindo na sua época, na sua idade. Mas ela foi. Ficou dona do nariz, saia vender Avon, Natura e uma infinidade de bugigangazinhas nuns catálogos. Era o seu trabalho offhome! Tomou gosto! Independente. O que precisava de carona, fazia tudo sozinha, agora. Jogou tênis, nadou, competiu campeonatos fora, até na Bahia e no Rio Grande do Sul. Ultrapassou janelas que apenas olhava tímida e titubeante. Atravessou as portas que enxergava fechadas. Ganhou o mundo…


Esta minha mãecontramão surpreendeu! Saiu de uma concha fechada. Virou pérola. Não bastou, saiu solta pelos mares. Me ensinou a não ter medo. E se o medo viesse, me ensinou a não me deixar ser vencida por ele. Ainda tenho medos, de vez em quando. Mas eles passam. Ainda vejo a Dona Estela em coisas poucas e bobas. Estas que parecem não ser nada e são tudo! Como brincar de casinha no chão de terra vermelha do quintal de casa. Como escorregar de joelhos na garagem enquanto lavava. Como ter plantas pelo jardim e frutas no quintal. Como estar silenciosa, mas presente.

Passar pelo Dia das Mães, sem ela, dói sim. Mas ter de quê se lembrar, ainda que sejam lembranças na contramão, se é que existe o padrão do que é ser mãe, me fazem crer que os caminhos nem sempre precisam ser percorridos da forma trivial. Pode ser que o jeitodetodomundo não seja o meu. E não tem importância. Porque cada um descobre seu caminho, indo.

De novo, Dona Estela, me tirou da inércia. Chacoalha. Me acorda. Me ensina. E não estando, me é presente!


7 comentários:

  1. Vi minha mãe na sua. Texto magnífico. Parabéns! Posso compartilhar?

    ResponderExcluir
  2. Muito bom! Um perfil semelhante ao de muitas mães... Parabéns!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Cada uma com seu jeito especial de ser... Não precisa ser igual. Precisa mesmo, ser autêntico... 😊😉😄

      Excluir
  3. Brilhabte! Palavras vivas de uma vida intensa e bem vivida! Saudade da minha infancia e lindas lembranças desse estilo simples e extraordinário que vivemos! Parabéns continue a escrever essas perolas!!! Grande abraço!

    ResponderExcluir
  4. Brilhabte! Palavras vivas de uma vida intensa e bem vivida! Saudade da minha infancia e lindas lembranças desse estilo simples e extraordinário que vivemos! Parabéns continue a escrever essas perolas!!! Grande abraço!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ow Deva! Temos o privilégio de uma infância ricamente vivida! Daquelas com arranhões e tampas arrancadas nos joelhos, pé na lama, em lugares tão mais simples quantos tão mais ricos... Coincidentemente,é exatamente assim que nos mantivemos. Arranhões. Ralados nos joelhos. Nos lugares mais remotos e ricos! A infância nos fez bem e nos rendeu a riqueza simples que escolhemos hoje, amigo!

      Excluir

Gostou? Compartilhe!

Quer comentar?
Clique em "comentários" e digite na janela que se abre. Selecione seu perfil no Google, aí é só publicar! Se quiser, identifique-se com seu nome ao final!

Obrigada pela visita! Logo mais, passo respondendo...