-Tô de boa, eu respondo.
-O que aconteceu?
-Nada. Ou tudo! Como preferir…
-Como assim?
-Coisas aconteceram. Delas, imaginei miliuma outras mais. Algumas vieram no caminho. Outras escaparam. Outras jamais aconteceram. E duasmiliuma, não sei ainda.
-Não entendo. É esta dúvida que te faz ficar assim… De boa???
Desenho a minha melhor cara de felicidade. A cara mais sincera e desprevenida de despreocupação, rasgo um sorriso maroto e chuto:
-As certezas acontecidas são apenas o registro seguro do vivido. É no que tá lá na frente, nebuloso, sem forma que residem as possibilidades infinitas. É duvidoso. Mas eu tenho a chave!
Num esforço de fazer cara de “entendi” vejo um sorriso amarelo, talvez, cinza de falta de cor na vida.
-Nunca pensei deste jeito…
-As portas passadas estão trancadas. As adiante, não! E sou eu que abro as que eu quiser e passo nas que eu quiser. Melhor. Posso abrir, espiar, passar ou partir. Mas as portas não vêm até mim. Sou eu que tenho de seguir no corredor.
-Hummmm…
-Vou dizer que é fácil, não. Há tempos que passo apressada, malemá espio as portas. Vou sempre nas mesmas. As que parecem ter aquilo que já sei. Já sei viver. Já sei fazer. Fico com a impressão de fazer bem demais e cada vez melhor ainda. Fico exibida e feliz.. Mas é puro comodismo. Pra não dizer medo. Aí, perco as outras portas!
Me sinto fitada com uma cara que não se disfarça a sua total incompreensão.
-Há outros tempos que de tão cega, tropeço. Do tropeço, o tombo. Dalguns, me levanto rápido e prossigo. Doutros, a prostração provocada é tão grande que mal me reconheço. Fico esparramada no meio do corredor, de cara pro chão, tentando levantar pelo menos a cabeça pra conseguir enxergar onde foi que parei. O que foi que me fez cair. Pra onde devo seguir.
Quando o curso do piloto automático é interrompido, assim, bruscamente, sem mandar aviso, ou obedecer o nosso prepotente comando, dá uma pane. Ligar o piloto manual é assustador! Porque, anestesiada, já não prestávamos mais atenção no caminho. Nem na porta. Na verdade, a grande verdade é que colecionávamos portas, ao invés de histórias.
Fato.
Precisou eu cair miliuma vezes neste corredor pra compreender…
Tô de boa não é uma fala de desdém. De quem não liga, não ligou e não vai ligar se ver o céu amanhecer roxo, se as pessoas que amei partirem, se o tempo acabar.
Tô de boa é aceitar que o caminho percorrido teve tropeços, sim, choros, sim, intermináveis soluços pelo perdido. Mas incontáveis vezes de recomeço de levantar, mesmo sem saber se ia aguentar. De sequer ter ideia e descobrir, no caminho uma força não sabida pra se manter em pé, em movimento
Tô de boa é poder olhar pra frente sem desespero. De medo de não ter mais tempo de viver um infinito de “ses”. Porque se tem a certeza de ter dito todas as palavras trancadas dos euteamo, meperdoe, quisefiz. E poder se dar ao luxo de ficar de papo pro ar, lavar a louça se quiser, porque não mata deixar a casa um pouco virada, só pra ficar de rainha, atoaatoa, estátua!
Tô de boa é se esquecer de números de produtos, de vitórias, de coleçõesdefiz! De zerar as cobranças. A dos outros e aquelas mais cruéis. Daquele apontador de dedo implacável que parecia não descansar nunca. A gente mesmo.
É chegar a um ponto, debaixo de uma boa sombra, não ter mágoa, nem o orgulho besta de ser perfeita. Ter errado, mas não doer mais. De ter tentado, mesmo sem ter entendido os sins, os nãos, os talvez. E acima de perdoar os desencontros e perdoar a mim mesma.
Só assim, a gente deixa de levar pedras do caminho, fazendo peso e pesar o andar…
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